Ninguém sabia seu nome completo até o dia em que foi necessário verificar seus papéis para seu enterro. Conheciam-no, apenas, como o Velho Lino.

Ele chegara à UESB por seus próprios meios, mas tão doente que foi logo encaminhado para o modesto “hospital”. O diagnóstico foi de cirrose hepática, sem possibilidade de recuperação. Assim mesmo, durou alguns meses e, durante todo esse tempo, Neiva cuidou dele com carinho e afeição.

Na sua clarividência, ela ia vendo seus quadros e os relatava a ele.

Seu corpo era todo inchado pela perniciosa moléstia e sua pele tinha um tom esverdeado, que causava repugnância. Isso tudo era agravado pela sua boca desdentada. Mas o Velho Lino quase não se queixava. Dia a dia, ele ia morrendo com a tranqüilidade dos que se acham “em casa”. Entre ele e Neiva havia amizade e respeito. Os dois tinham longas palestras, que ninguém entendia.

Alguns meses depois de sua morte, Neiva sentiu saudades dele. Só então se dera conta da sua solidão, em meio à multidão que viva. Afinal, o Velho Lino tinha sido um bom companheiro, na visão dos caminhos que conheciam pouco.

Lembrou-se, então, de seus transportes, e pensou que, talvez, tivesse oportunidade de saber notícias dele. Com essa idéia em mente, encaminhou-se para sua plataforma de contato, e lá sentou-se à espera.

Sua concentração foi tão natural e imperceptível que até se assustou um pouco quando ouviu a voz familiar de Johnson Plata a lhe dizer “Salve Deus!”. Eris estava com ele.

Já fora do corpo, ela respondeu, e Johnson foi logo dizendo:

- Vamos, Natachan, vamos que está na hora de encontrar o Velho Lino!

Ela ficou meio encabulada, talvez devido à maneira de como que eles conheciam seus pensamentos, e sentiu certa relutância em aceitar o convite. Ao ouvir o nome do Velho Lino ser mencionado por Johnson, com seu ar nobre e saudável, perdeu parte do seu entusiasmo. Na sua mente passaram quadros dos últimos dias de sua vida e do cadáver inchado daquele velho de setenta anos. Mas, imediatamente, sentiu vergonha de seus pensamentos, e seguiu-o, sem mais comentários.

A chalana pousou suavemente numa espécie de plataforma iluminada.

Saíram da nave e se encaminharam por um longo corredor, que terminou num parque iluminado pelo luar. No meio do terreno, tapetado de uma erva que reverberava à luz da Lua, e pontilhado de árvores simétricas, erguia-se enorme edifício, que se alongava para os fundos do parque. Ela ficou olhando aquelas árvores, que sempre lhe chamavam a atenção pela simetria.

Para ela, que gostava das flores artificiais da Terra, elas pareciam ser de plástico colorido. Reparou, também, que, em todas elas, estavam dependurados medalhões, com inscrições que ela não distinguia. Estranha música pairava no ar, mas Neiva não tinha muita certeza de que se tratasse de música. Parecia mais um som agradável, um zumbido modulado. Johnson falou:

- Aqui, Natachan, é um hospital de recuperação da Casa Transitória e, também, o ponto de partida para Capela.

Apontou um lado para o qual Neiva ainda não olhara, e ela viu várias naves de grande porte, que se pareciam muito com os zepelins (dirigíveis) da Terra, só que tinham enormes janelas, cuja luz amarelada se destacava na luz branca do luar.

Chegaram ao saguão do enorme edifício, e Neiva se preparou para o choque. Sentia saudades e um certo receio. Ficou olhando as pessoas que se movimentavam nos seus afazeres e, momentaneamente se viu sozinha. Johnson e Eris conversavam com alguém, junto a um balcão. Nisso, ouviu seu nome sendo chamado pela voz do Velho Lino. Levantou os olhos, receosa, e viu, diante de si, um homem que aparentava uns quarenta anos, cujo sorriso amplo revelava dentes alvos e perfeitos. Trajava roupas semelhantes às dos Capelinos, e tinha um ar saudável e desenvolto. Ela custou a acreditar que estava diante do Velho Lino!

Daquele pobre velho, inchado e desdentado, só restava o ar de serenidade e segurança que caracterizavam seu espírito evoluído. Ele estendeu a mão, sempre sorrindo, e, olhando-a com ar carinhoso, falou:

- Neiva, que satisfação em vê-la! Queria muito lhe agradecer o tanto que fez por mim, até meu desencarne! Tudo que sou, devo a você e à UESB. Mas, principalmente a você, que me amparou com seu amor e seu carinho. Graças a Deus!

Neiva estava tão emocionada que não conseguia falar. Sentia as lágrimas descerem pelo seu rosto e procurou, como fazia na Terra, um lenço para disfarçar.

A diferença que se operara em Lino era fantástica. Há apenas alguns meses, ele deixara um corpo esverdeado pela infeção, como um fruto apodrecido, um ser humano sofrido e pobre. A figura que tinha, agora, diante de si, era a de um homem em plena forma e com a tranqüilidade de um ser humano realizado.

Pelo seu espírito passaram as mais variadas implicações, comparações, lembranças, doutrinas e tudo o que aprendera. Quantas conclusões, quantas provas da multiplicidade do espírito, da veiculação variada, de corpos e personalidades ocupados por um mesmo espírito!

E o que pensar da fabulosa capacidade moldadora, na maleabilidade da matéria nos planos fora do físico? Ali na figura esbelta de Lino, estava a prova viva de cada uma daquelas assertivas. Enquanto refletia, ia ouvindo os comentários de Lino, que lhe contava, com sobriedade, o que acontecera desde que chegara, trazido pelos Médicos do Espaço.

Enquanto ouvia, percebeu que aumentara muito a movimentação de gente em torno do edifício, e sentiu certa curiosidade pelo que estaria acontecendo. Lino apressou-se em explicar que aquele povo todo estava de partida para Capela, inclusive ele.

Neiva compreendeu a razão da presença de todas aquelas naves. Viu que todas tinham grandes comportas, por cujas rampas pessoas iam e vinham. Era o embarque em andamento, como em qualquer aeroporto da Terra. Lino continuou falando e pedindo notícias do pessoal da UESB, mas os sentidos de Neiva estavam alertas para alguma coisa que pairava no ar, uma estranha expectativa. Notando seu estado, Lino apressou-se a lhe explicar que a curiosidade era em torno da espera de uma pessoa que estava chegando da Terra e que iria para Capela na mesma frota que ele. Tratava-se de um político do Brasil, muito conhecido, e cuja influência fora muito grande nos destinos desse país, pois fora um ditador.

Daí a pouco, chegou um pequeno veículo e pousou bem junto ao edifício. Dele saíram homens com roupas semelhantes à de enfermeiros. Levavam uma espécie de maca, e Neiva, do ponto onde se achava, distinguiu claramente as feições transtornadas do homem ali deitado. Subitamente, a palavra “ditador” calou na sua mente e ela deu um grito.

- Mas, seu Lino, – exclamou – esse homem morreu há muitos anos e só agora está chegando aqui?

- Sim, Neiva, de fato ele morreu há alguns anos, mas não conseguiu se desligar dos seus compromissos cármicos, e permaneceu na Terra, ligado aos seus interesses. Por muito tempo, continuou entrosado com seus correligionários e ao magnetismo das mentes dos que o odiavam e dos que o amavam. Ultimamente, porém, ele estava se imiscuindo com a falange dos Falcões, e os Mentores Espirituais acharam por bem retirá-lo de circulação, para que não se atrasasse. Era um homem honesto que se deixara influenciar pelo orgulho e pela desonestidade de muitos de seus adeptos.

As recordações de Neiva em torno do antigo ditador, cujo domínio do país fora exercido, inclusive, nos tempos em que ela era uma viúva jovem e lutando pela vida, misturaram-se com o quadro que acabara de presenciar, e ela sentiu certo desequilíbrio.

Johnson se aproximou e convidou-a, gentilmente, a se reequilibrar. Ela, um pouco envergonhada pelo lapso momentâneo, retomou sua compostura habitual. Johnson fez alguns comentários em torno da viagem, e Neiva notou que alguns dos veículos já haviam recolhido as rampas de embarque. Viu, nas suas janelas iluminadas, as sombras dos passageiros, e Johnson comentou que eram espíritos que haviam terminado sua recuperação na Casa Transitória e estavam indo para Capela. A aparência, entretanto, era igual à de uma plataforma de trens, na Terra, com sua balbúrdia. “Assim na Terra como no Céu!...” – pensou ela.

Nisso, Lino apresentou suas despedidas, e Neiva notou que ele estava muito alegre com a partida. Mais uma vez agradeceu tudo o que ela fizera por ele:

- Deus lhe pague, Neiva, por tudo. Creio que vai ser difícil a gente se encontrar nesse mundão para onde vou.

Ela sentiu um aperto no coração, e acenou para ele, que se encaminhava para uma das naves.

Uma a uma, as naves foram decolando silenciosas e, aos poucos, o terreno foi ficando vazio. Johnson pediu-lhe que aguardasse um pouco, pois tinha alguns assuntos a tratar ali. Neiva ficou pensando naquilo tudo, olhando a movimentação, agora bem menor. Mas, a tranqüilidade não durou muito. Outras naves, semelhantes às que haviam partido, foram chegando. Só que, desta vez, se procedia a um desembarque. Neiva viu que delas saíam espíritos nas piores condições, amparados por enfermeiros e médicos espirituais. Eram os “mortinhos”, como ela costumava dizer. Tomada de piedade, exclamou:

- Pobrezinhos!

- Pobrezinhos, por que? – perguntou Johnson Plata, se aproximando – Essa leva de espíritos que está chegando resulta de um desencarne coletivo que acaba de se fazer na Terra. São espíritos terríveis, Neiva, mas que pagaram boa parte de suas dívidas, contraídas na antiga Roma. Todos eles foram colaboradores em torturas e queima de pessoas daquele tempo. Agora, acabam de desencarnar no incêndio de um circo, no Brasil. Na verdade, só agora é que vão, realmente, se recuperar totalmente dos carmas contraídos, naquele tempo, em Roma. Ainda há muitos deles na Terra, mas, até 1984, todos estarão neste plano.

Johnson continuou dando explicações, enquanto olhavam o desembarque. Neiva, sorrindo, pediu-lhe que, agora, tivesse cuidado com tanta informação, pois sua cabeça era muito pequena.

Ele também sorriu, e disse-lhe que era teria que absorver muitos fatos para o exercício de sua missão na Terra.

- Entre elas, Natachan, você irá agora receber as iniciações de um Mestre do Tibete, que Seta Branca conseguiu. Você irá aprender a Alta Magia no próprio Tibete!

Neiva recebeu a informação e indagou de Johnson como é que ela, uma missionária, iria trabalhar com um “mortinho”.

- Não, – disse Johnson, sorrindo – não se trata de um “mortinho”, mas sim de alguém do seu próprio plano e adequado à sua altura evolutiva, pois se trata de um monge altamente evoluído. Mas, porque essa sua intransigência com os que você chama de “mortinhos”? Não será isso influência do catolicismo, que proíbe a invocação dos mortos?

Ela não fez comentários, e ele continuou:

- É preciso a gente se lembrar de que não existem “mortos”, mas, apenas, recém-chegados a um plano ou outro. Num ponto, talvez, os católicos estejam certos, pois os que aqui chegam têm muito em que se concentrar e a invocação da Terra os prejudica.

Pouco depois, todos estavam no interior da chalana, que decolou, silenciosa, em direção à Terra. Neiva permaneceu absorta, pensando em tudo o que vira e ouvira. Despertou ouvindo um comentário de Eris em torno do Xingu. Para ela, pareceu que, naquele momento, estavam passando por sobre essa região do centro do país.

- Ali – dizia Eris – estão os verdadeiros missionários de Deus!...

Ela não entendeu bem o que ele queria dizer com aquilo, mas deixou para se informar em outra oportunidade. Afinal, ela já tinha um bocado de informações para catalogar em sua pequena cabeça!

Eles se despediram com um caloroso “Salve Deus!”, e Neiva sentiu frio, pois começava a cair uma chuva fina. Johnson continuou em sintonia, pela sua vidência, e recomendou que ela tomasse um medicamento para a febre e que fosse logo para casa, se abrigar da chuva. Ouvindo isso, ele disse, meio agastada:

- Por que, agora, essa preocupação? Se meu corpo estava aqui, na chuva, de que adiantam esses cuidados agora?

- Não, Natachan! – respondeu Johnson – Enquanto seu espírito estava conosco, seu corpo estava protegido pelos nossos médicos e não corria perigo algum. Pode estar certa disso! Agora, porém, você está entregue às leis do mundo físico e de sua faixa cármica. Vá se cuidar!

E sempre sorrindo, desapareceu do campo de sua vidência.

4 Comentários

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  1. Salve Deus,
    tem algum tempo que li esse relato,mas hoje aprendi mais um pouco,pois, sempre temos a aprender e chorei tambem porque é lindo quando cremos que realmente ha uma vida eterna e la continuaremos nossa caminhada na evolução espitual.Jesus nos abençoe sempre.
    Abraços a todos meus irmão que junto comigo choram ao ler as lindas liçoes de nossos mentores.
    Cleide ninfa sol ismenia templo mãe

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  2. Lindo!
    Estou emocionada.
    Obrigada a todos esses "Trabalhadores do Amor", que tanto fizeram e fazem por todos nós.
    Salve Deus!

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  3. (A aparência, entretanto, era igual à de uma plataforma de trens, na Terra, com sua balbúrdia. “Assim na Terra como no Céu!...” – pensou ela.)tia Neiva.
    Com estas palavras da tia pude entender, a vida no ceu e igual aqui na terra. E cabe nós cumprir a nossa missão, o nosso compromisso feito a Deus no dia que encarnamos,para que tenhamos o merecimento de poder ir para um plano superior. Salve Deus.

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  4. salve deus Agora, mais do que nunca a sociedade pergunta e nós somos obrigados a responder, com diz uma "cartinha", somos obrigados a responder com doutrina, por que às vezes o silêncio nesses momentos faz o próximo perceber alguma coisa diferente em nosso comportamento. Isso é tolerância. Talvez, quem sabe, um grande ensinamento que logo será percebido silenciosamente...
    Eu acho que a verdadeira doutrina é praticada nesses momentos.
    Não podemos deixar outra melodia nos ludibriar a mente, tentando distorcer as coisas. Se não, todo o trabalho terá sido inútil.

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